sexta-feira, 1 de maio de 2015

Delicadeza


Cdte Lourenço de Almeida Pinto Medeiros

                                                               
Faleceu a 12 do corrente, nos subúrbios desta vila, um homem delicado. Melhor dizendo, faleceu a 12 do corrente, nos subúrbios desta vila, um homem que exerceu, durante mais de oitenta anos, a delicada arte de ser delicado.
Parece que o exercício dessa função espiritual o conservou moço até da cova. Tinha oitenta anos como se tivesse apenas cinquenta, mas, direitos e elegantes como guias de salgueiro.
Toda a gente sabe ou adivinha que o nosso morto é o Lourenço de Almeida Pinto Medeiros, o Lourencinho, como lhe chamávamos todos, consoante o uso do Norte. O inho, entre nós, não é mau signo de equívoca personalidade. É tributo que se paga, em moeda de afectivo respeito, a homem que o mereça.
O Lourencinho, reguense nato, inteligência circunscrita a ideias intramuros, coração transbordante de paixões locais, Bombeiros e festas do Socorro, foi excepção na Régua devido à sua ingénita delicadeza.
Por esse motivo, além de outros, faz imensa falta a este burgo comercial, tão atarefado, que não considerou ainda que a cortesia é sinal de civilização.
Terra que não saiba cumprimentar, que não perdoe pequenas fraquezas a naturais e estranhos, que não dissolva mesquinhos ressentimentos, não vença a iníqua antipatia que lhe inspiram os melhores filhos, é terra que não passa de esboço colonial de provável povoação.
É tempo de a Régua se orgulhar de cidadãos polidos como o Lourencinho. Ele e poucos mais, que felizmente por aí ficaram, uns ricamente vestidos, uns pobremente vestidos, provam que a Régua não é tão árida de cortesias como a pintam os seus hóspedes mais sensíveis. O Lourencinho foi fidalgo de natureza, que é a maneira menos falível de ser fidalgo.
                                                                    
Dezembro de 1959

João de Araújo Correia

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