quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Abram alas

Foto: josé alfredo almeida



    Não passam cães pela vinha vindimada. Expurgada, com mais ou menos subtileza, das razões de ser da sua existência, ela mantém uma dignidade vistosa, uma compostura senhoril. Repousa, no silêncio e na solidão. Foram-se os roncos agressivos e o cheiro a gasóleo dos tratores, calaram-se vozes vindimadeiras, faladas e cantadas, recolheram aos seus aposentos plásticos de baldes e de sacos que pontilharam de negrume a gaiata paisagem, despertando em saudosistas um amargo relembrar do vime de cestas e de cestos.
    Neste Outubro de pleno Outono, queimam as vinhas os últimos cartuchos do seu esplendor. O sol fá-las rebrilhar, com as baterias ainda carregadas, numa emissão de um calor proverbialmente duriense.
    O vento tem-se contido, decerto a muito custo, ele que se compraz sadicamente a assistir a rebuliços folhais. A sua invisibilidade não costuma ser complacente com parras paridas a exibirem um fascínio de fim de festa.
    O caminho é uma passadeira térrea, de piso irregular e poeirento, feito de ervas e de cadáveres de folhas insepultas, aberto para uso de pés pobres de trabalhadores rurais. Não, não vai haver visita ministerial com a cerimoniosa revista às tropas. Aqui as fardas são folhas e os militares cepas robustas e perfiladas. Mesmo sem toques de clarins, abrem alas, num “engano de alma ledo e cego” que a chuva não deixará durar muito.

  
[…]
Fim de parto ou de vida, ninguém sabe
A medida precisa que lhe cabe
No tempo, na alegria e na tristeza. […]



M. Hercília Agarez
Vila Real, 16 De Outubro

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