terça-feira, 3 de junho de 2014

Roteiro Sentimental - Douro





Roteiro Sentimental
Douro

Autor: Manuel Mendes
Prefácio: Mário Soares
Desenhos: Gracinda Marques
3ºEdição do Museu Douro, 2002


Prefácio

"De algum modo, sinto-me ligado a este belo livro de Manuel Mendes, "Roteiro Sentimental, Douro", que agora sai em terceira edição, belamente ilustrada com os desenhos de Gracinda Marques.
Explico: o livro é dedicado aos três filhos - João Luís, Pedro e Zé - do nosso amigo comum Luís Roseira, médico e produtor de vinho do Porto, na Quinta do Infantado, perto do Pinhão. Ora fui eu que apresentei o escritor Manuel Mendes, um velho e querido amigo, padrinho de casamento e companheiro de lutas políticas desde o Movimento de Unidade Democrática (MUD), ao Luís Roseira, que então exercia a sua bela profissão de "João Semana" no Pinhão onde, ao mesmo tempo, mantinha, bruxuleante, uma chamazinha de conspiração anti-salazarista.
(...)
O livro de Manuel Mendes, Roteiro Sentimental, Douro, que ora se reedita, nasceu dessa inesperada visita a casa de Luís Roseira. Uma visita que teve seguimento. Logo ali ficou combinado, para o ano seguinte, uma descida do Douro, do Pinhão à Foz, num barco rabelo arranjado pelo Luís. Não pude, infelizmente. acompanhá-los por, entretanto, ter sido preso pela PIDE e me encontrar no Forte de Caxias quando se realizou. Fiz-me representar pelo meu filho, João, que teria onze anos e veio de lá encantado. Mas, muitos anos depois, desforrei-me amplamente: desci o Douro,com luzido acompanhamento e grande repercussão mediática, mas não num barco rabelo, para demonstrar a sua fácil navegabilidade, numa das "presidências abertas" de maior sucesso. O Luís Roseira foi um dos organizadores e, obviamente, acompanhou-me em todo o percurso.
Essa primeira descida do Douro, do Pinhão ao Cais da Ribeira, em que não participei, teve lugar em Setembro de 1961 e aparece descrita num dos capítulos mais interessantes do Roteiro Sentimental. Talvez dos mais bem documentados e intensamente vividos. O Manuel fez-se acompanhar por Giacometti, musicólogo que recolheu cantares de várias regiões de Portugal e também do Douro- Mestre Aquilino foi também convidado para aquela que seria a última descida do Douro em barco rabelo, devido à construção posterior das barragens. Mas, infelizmente, não pôde acompanhá-los.
(...)
O livro de Manuel Mendes é um "caderno de crónicas", como lhe chamou, que contém as  histórias e as impressões que recolheu, em contacto com a gente humilde da Região - rurais, pescadores, barqueiros (os que atravessam o rio de um lado para o outro), marinheiros (os que traziam o vinho do Alto douro até à Foz), profissionais de vários ofícios, alguns hoje em vias de se perder, contadores populares de histórias, memórias esparsas da Região...Assim construiu o Roteiro Sentimental, ao estilo do seu mestre e grande amigo Raul Brandão - nas Ilhas Desconhecidas, nos Pescadores e no livro póstumo O Pobre de pedir -, vertido numa prosa correntia, impressionista, deliciosa, com o toque de humaníssimo da solidariedade com os mais humildes e os mais pobres.
Manuel Mendes foi um excelente escritor, hoje bastante esquecido, infelizmente. Além disso, foi uma personalidade fascinante, de uma imensa riqueza humana, político e conspirador intemerato contra a ditadura, amador de artes plásticas, escultor nas horas vagas, extraordinário contador de histórias divertidas, de humor simultaneamente enternecido e sarcástico, que passou a vida, desde rapaz, condenado a um completo ostracismo político, embora cercado de amigos e admiradores.
Por isso, a reedição do seu livro sobre o Douro tem tanto significado: representa uma homenagem de reconhecimento, feita em boa hora pelo Museu do Douro, a alguém que amou este rio e as suas margens desinteressadamente. E sobre ele escreveu páginas inesquecíveis, deixando-nos um livro precioso de informações e referências, humaníssimo, e que traduz uma visão integrada da Região Duriense, tão bela e singular no todo português.

Lisboa, 26 de Agosto de 2002

Mário Soares 

Sem comentários:

Enviar um comentário