A
coqueteria é a poesia das mulheres
(máxima francesa)
In Illo
Tempore, ou seja, no meu tempo de
menina e moça na cidade nascida e criada, estava na moda as jovens, mais
púberes ou mais espigadotas, de soquetes ou de meias de vidro, irem passar uns
dias ao campo, antes ou depois de Agostos banhados por mares poveiros ou
espinhenses, destinos eleitos das famílias destas nossas bandas.
Para casa de
família própria ou alheia, não iam a banhos, iam a ares. Iam ganhar cores, que
a cidade dava-lhes uma palidez macilenta. Em geral eram umas lingrinhas,
fastiosas, esquisitas de bico, com medo da própria sombra, meladas. Eram as
mães que as empontavam, recorrendo a argumentos tão pesados como os fraguedos
da serra. Iam de nariz torcido, de monco caído, de sobrolho franzido. Faziam as
malas como se fossem para cidade cosmopolita porque outros vestires e calçares
não tinham.
Acabavam por
se afeiçoar àquela enchente de ar puro, àqueles odores a terra molhada, a
flores bem-cheirosas, àquele sabor de sopa de pote. Eram tratadas como
princesas. Chamavam-lhes meninas as raparigas da mesma idade, mas de pobre
trajar e de diferente falar. De mãos
gretadas e calosas, de unhas negras de
terra, de rostos tisnados de sois em muitas horas. Brancos, braços e pernas
sobrantes de saias e aventais e de mangas de “blúsias”. Branco o que não se vê.
Branco o que só vêem os seus homens, que na aldeia os casórios não ficavam para
o tarde.
Esta menina,
com ar de já senhora, está fora do sítio. Enganou-se no cenário. Destoa no meio
daquelas verduras de folhas aldeãs, sentada naquelas tábuas mal amanhadas, bem
empoeiradas, de pregos enferrujados. Para onde pensa que vai com aquela altura
de tacões de tango? A música ali é outra. É a do chiar dos carros de bois e mugidos dos mesmos, é o
ladrar zangado de cães engalfinhados, é o bater de roupas nos lavadouros, são
todas as manifestações musicais de pássaros em alegria, os descantes de
moçoilas frescalhotas, afeitas a tarefas de casa ou de campo. Para onde pensa
que vai a perliquitetes com aquela roupa de missa ao domingo? Arregaçou a saia
para morenar as pernas com o sol por bronzeador. Nunca tal se tinha visto por
aquelas bandas - “Um desaforo, uma pouca-vergonha, isto é a fim do mundo”,
murmurava o mulherio despeitado ao fazer o sinal da cruz...
Era assim, mais ou menos. Lembro-me, a
propósito desta irreverência feminina, do nome que se dava, há largas décadas,
ao gesto próprio das senhoras de bem quando se sentavam. Instintivamente, em
nome da moral e dos bons costumes, puxavam as saias até aos joelhos. Se fosse
no tempo da mini-saia havia de ser bonito! Inspirado na designação duma certa
elite humanitária em tempo salazarento, capitaneada pela Senhora Dona qualquer
coisa Supico Pinto, passou a chamar-se a esse esticar de pano nas coxas Movimento Nacional Feminino. Bem
visto, sim senhor...
M. Herília
Agarez, 22 de Junho de 2020
A menina já de mini saia, sem perceber ainda que estava a sair
ResponderEliminardo seu tempo, para outros tempos que aí vinham, a quem talvez
chamaria "tempos modernos".