sexta-feira, 3 de abril de 2020

E o Douro aqui tão longe....

Foto:josé alfredo almeida





Súplica

                                               Rio, que levas o meu sangue ao mar
                                               E no mar o sepultas,
                                               Doira a minha memória.
                                               Conta às ondas e ao vento
                                               A desumama história
                                               Da minha dor.
                                               Que não julguem que tudo se resume
                                               A uma gota de sol e de perfume
                                               Diluída no pó da tua cor.      

                                                                                                                      Miguel Torga


    Douro. Estou ausente em ti. Tu estás presente em mim. Do lado de lá da minha amostra de mundo. De repente, a a tua proximidade virou lonjura. Continuas a correr em ritmo sereno. Não tens barreiras, além das margens que te bordejam o leito com um já verde de renovação. Estás, também tu, sujeito a esta frialdade sobrante de Inverno. Parece que a estação de todos os encantos está a solidarizar-se connosco, de gelados humores, condenados a prisão por crimes que não cometemos.
    Roubam-nos os sorrisos.  As nossas mãos esquecem a linguagem dos afagos. Somos pedregulhos esquecidos em altos de montanhas. Solitários. Mudos. Preservados.
    Não temos o direito de querer estar bem, quando tudo está mal. O desassossego irmana-nos.  Estamos, agora, cada vez mais iguais. Velhos e novos, ricos e pobres, pretos e brancos. Juntos, à distância, em comunhão de destino. Nada nos redime. Se corremos mais riscos uns do que outros, ninguém está imune.
    Resta-nos a esperança. Devemos tratá-la com desvelo de mães de recém-nascidos. Embalemo-la, cantando baixinho, para não esquecermos o eco da nossa voz. Reguemo-la, como arbusto quebradiço acabado de plantar. Para que cresça saudável e nos pague o zelo, quando lhes for hora de se abrirem em flor.
    Ocupemos os nossos dias conformados e obedientes a escrever a lista das pessoas com quem trocaremos abraços e experiências, a lista das coisas que poderemos fazer quando regressar o prazer e formos abençoados com a graça de estarmos vivos.  Tudo nos parecerá mais belo, todos estaremos mais fraternos, menos egoístas. E, se se mantiverem as previsões, ainda estaremos a tempo de festejar a Primavera. E a vida. Um barco nos esperará para partirmos em aventuras adiadas. 



M. Hercília Agarez, 
Vila Real, 03 de Abril de 2020

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