sexta-feira, 13 de março de 2020

Quadro sem assinatura

Foto:josé alfredo almeida


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                                                                                              Ou não fosse o rio um espelho
                                                                                              antes de rio.

                                                                                                          A.M.Pires Cabral


    Brancas, as nuvens. Hoje. Brancura pacífica, sorridente. Mantêm-se no respeito de ordens recebidas. Hoje, meros apontamentos decorativos. Nada de anúncios, nem prenúncios, nem indícios de águas a cair. De águas a vir. Hoje, desincumbidas da função de manda-chuvas. Assim, airosas, inofensivas, femininas, não receiam o veredicto do rio. Não lhes falta auto-estima…
    Ele, o rio duriense com costela transmontana, na franqueza do Entre Quem É. Também ele tem nuvens, essas sortudas bafejadas com o dom da ubiquidade, tantas vezes invejado por humanos seres.
   Rio. Beleza, serenidade, movimento, em estado líquido. Não parece estugar o passo para  depressa atingir a foz. Gosta da doçura das suas águas, da irrequietude dos seus hóspedes, num rodopio de fuga a canas de pescadores, de minhoca em riste. Gosta de contemplar, com todo o tempo do mundo, margens imponentes, de socalcos encavalitados uns sobre os outros, desafiando alturas. Montes promessas  de boas colheitas, montes onde cepas tortas e direitas se despem no fim da festa. Tempo de tudo, para tudo.
    Uma casinha branca intromete-se na paisagem. Mete portas e janelas onde não é chamada. Terá gente dentro? Quem a plantou ali em isolamento,  órfã de vizinhos? Melhor é casa sem gente do que gente sem casa.

    Começam a impacientar-se os ramos e os galhos, negrume descendente, a enlutar claridade colorida. Tenham calma! São para vós as últimas palavras – last, not least. Dizei lá à vossa árvore-mãe que oleie as engrenagens e acelere a produção de folhas e de flores., não vá chegar atrasada à recepção oficial da Primavera...

M. Hercília Agarez
Vila Real, 13 de Março de 2020

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