Foto:josé alfredo almeida |
O lazer é o melhor dos bens
Sócrates
Está montado o cenário. Uma onda de
brancura clarifica, mais ainda, a luminosidade azul de dias estivais. Um Douro
sossegado redime-se dos seus maus azeites vindos ao de cima de águas barrentas
e descontroladas. Mas isso passou. Os reguenses já se conformaram com estas
mudanças de humor. E a nova temporada de uma das grandes vítimas há-de ser
compensadora. Amansada a fera, bons dias virão.
Aguarda os clientes este espaço de lazeres e
de prazeres, de leituras e de contemplações, de silêncios e de trocas de
notícias, de ataques constantes a tablets e a telemóveis sem direito a férias.
É um símbolo de progresso, de modernidade, de bem receber e bem servir quantos
gostam do odor ribeirinho, de apreciar a irrequietude de ondas buliçosas, a
desafiarem aves em voos rasteiros e interesseiros. É, também, um bom gosto
lúdico a não desfeitear o aperaltado cais onde se passeiam passos miúdos, se
reboliçam crianças, se apressam turistas atrasados na compra de chapéus contra
a torreira de tombadilhos.
Esplanada de café. Um alinhamento matinal e
disciplinado, como em casa arrumada, à espera de visitas. Uma quase ilha com vistas de vinhas, de
embarcações a motor em arremedo de rabelos recuados, de iates de cruzeiros de
doces águas, de comboios cautelosos, cromaticamente em harmonia com a paisagem.
Apesar da brisa ribeirinha, uma habituée,
de cedos levantares, parece a postos para receber raios quentes que lhe
disfarcem a palidez de corpo poucamente vestido.
Guarda-sóis em aprumo militar condizem com peitos
de gaivotas. Em posição de descanso lembram gatos pingados de uma China onde
branco é luto. Ladeiam-nos primos estravagantes, apostados na diferença,
ostentando, no cume de seus pedúnculos erectos, corolas de túlipas que a manhã
fez desabrochar em toda a sua pujante beleza. Enquanto uns prolongam o descanso
vertical, os outros, de copa invertida, apressam-se a entrar ao serviço, numa
habilidosa jogada de antecipação, quiçá a pensar em medalha de bons serviços prestados!
Lazer. Prazer de nada ter para fazer.
Privilégio a encaminhar os nossos passos para junto de Fernando Pessoa:
LIBERDADE
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…
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M. Hercília Agarez
Vila Real, 30 de Julho de 2019
E assim se explica uma esplanada!
ResponderEliminarE a pérola a rematar a prosa "Pessoa".