sábado, 27 de julho de 2019

A explicação invisível do amor

Foto:josé alfredo almeida




«— E de tudo os espelhos são a invenção mais impura.»
Herberto Helder, Poesia toda, Assírio & Alvim, 1996.





A posição dos ponteiros do relógio é apenas
um exercício de repetição – extingue-se o tempo
como se substituem os bolbos nos canteiros da
varanda, convém que o espanto ou o esquecimento,
verso e reverso da mesma realidade, não existam
para que a desolação não se instale e haja para
cada flor uma estação.

Assim, o que te prende é o efeito de espelho
que cada imagem pode ter no contorno oculto
de um instante. A percepção de quem fotografa.
O perfil de uma memória capturado pelo obturador.
O rosto de uma mulher reflectido entre Paris e
Havanna, criando a divisão entre a noite e o dia.
O olhar dessa mulher perdurando no fulgor do
silêncio que, por fim, se instala no poema.

Desfeitas todas as ilusões acumuladas, camada
sobre camada, película sobre película, nada restará
à superfície do espelho. Fragmenta-se, em ti,
a explicação invisível do amor.



Sandra Costa

1 comentário:

  1. ..Um "AMOR "..intocável..!!
    Fragmentos .."sãos "..por entre a invisibilidade ..
    ..Essa ..ÚNICA ..ÚNICA !!!

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