sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Solar de Mateus





    Junho de 1980. Mais um prémio. A juntar a outros e a anteceder outras distinções e homenagens. Miguel Torga vai receber o Prémio Morgado de Mateus que partilha com Carlos Drumond de Andrade. No discurso de agradecimento adopta uma estratégia comum em idênticas circunstâncias: recua à sua infância que, embora desfavorecida, lhe servirá de refrigério pela vida fora.
Mateus fica a caminho da aldeia natal do poeta - São Martinho de Anta. Por isso escreve:


                Há coincidências estranhas num destino humano. Nos meus remotos tempo de menino realizavam-se por esta altura, numa casa religiosa aqui em Mateus, uns para mim misteriosos retiros a que duas senhoras lá da minha aldeia  assistiam  invariavelmente. Viajavam de burro e o arrieiro era sempre eu, descalço, às topadas nas pedras dos atalhos, a comer o pó levantado pelo chouto das ferraduras.                                     [...] Este grande palácio, então fabuloso na imaginação popular, - tinha  trezentas e       sessenta e cinco janelas como os dias do ano - balizava-me as emoções da caminhada. Quando o descortinava no fundo da  paisagem, cercado dos seus belos jardins  encimado pelos pináculos e chaminés, alegrava-se-me o coração.
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Miguel Torga. Uma humildade nunca renegada. Um escritor trasmontano que não ganhou o Nobel, maOs para ele foi nomeado mais de uma vez. Um "homem de granito". Um exemplo de fidelidade às origens. Rijo como a urze e como ela com raízes bem enterradas no húmus agreste. Merece ser lido tanto como o palácio merece ser visitado.



Vila Real, 15 de Dezembro de 2016
M. Hercília Agarez

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