Junho de 1980. Mais um prémio. A juntar a
outros e a anteceder outras distinções e homenagens. Miguel Torga vai receber o
Prémio Morgado de Mateus que partilha com Carlos Drumond de Andrade. No
discurso de agradecimento adopta uma estratégia comum em idênticas
circunstâncias: recua à sua infância que, embora desfavorecida, lhe servirá de
refrigério pela vida fora.
Mateus
fica a caminho da aldeia natal do poeta - São Martinho de Anta. Por isso
escreve:
Há coincidências estranhas num destino humano. Nos meus remotos
tempo de menino realizavam-se
por esta altura, numa casa religiosa aqui em Mateus, uns para mim misteriosos retiros a que duas
senhoras lá da minha aldeia assistiam
invariavelmente. Viajavam de
burro e o arrieiro era sempre eu, descalço, às topadas nas pedras dos
atalhos, a comer o pó levantado pelo chouto
das ferraduras. [...] Este
grande palácio, então fabuloso na imaginação popular,
- tinha trezentas e sessenta e cinco janelas como os dias do
ano - balizava-me as
emoções da caminhada. Quando
o descortinava no fundo da paisagem,
cercado dos seus belos jardins encimado
pelos pináculos e chaminés, alegrava-se-me o coração.
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Diário XIII
Miguel Torga. Uma
humildade nunca renegada. Um escritor trasmontano que não ganhou o Nobel, maOs para ele foi nomeado mais de uma vez. Um "homem de
granito". Um exemplo de fidelidade às origens. Rijo como a urze e como ela
com raízes bem enterradas no húmus agreste. Merece ser lido tanto como o
palácio merece ser visitado.
Vila Real, 15 de Dezembro de 2016
M. Hercília Agarez
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