VINDIMA
[…] Os
homens
andam com
os cestos às costas, assobiam,
baralham as
ideias, assobiam,
pisam as
uvas, envasilham
e dizem:
prò ano será melhor.
(No ano
seguinte é a mesma coisa).
António
Cabral, POEMAS DURIENSES
É, na verdade, uma imagem evocativa das
vindimas no Douro em tempos idos. Eram assim os cestos vindimeiros, cheios até
às beiças, alombados sobre capucha e troixa, em protecção possível de pescoços
sacrificados. Além das asas de segurar, uma frontal, reforçadas à medida do
peso a carregar. Na fotografia não se vê, mas a média eram sessenta quilos. Também
não se sentem o sabor e o aroma do melaço das uvas espapaçadas pelo caminho.
Os carregadores, machos de carga, parecem
elementos de um rancho folclórico. As camisas brancas, desnodoadas, não mostram
manchas de suor nos sovacos. Em posição de homo pré sapiens, têm força de
Hércules, humilham-se, humildam-se, obedecem, sujeitam-se, prestam vassalagem a
senhores de quem são escravos, baixam a grimpa até a ordens de feitores. Aí
está, na foto, um deles. Erecto, vertical como fio-de- prumo, como a aguilhada
da sua altura. Que empunha, como ceptro,
simbolizando um poder conferido pelo patrão, em recompensa de trabalhos
dedicados e cúmplices. Um trabalhador cujo trabalho é mandar trabalhar,
fiscalizar quem trabalha, recrutar gentes para as vindimas, não os deixar pôr
pé em ramo verde. Um alguém socialmente situado mais perto do poder do que do
ser.
Fala-se pouco desta figura, omnipresente em
trabalhos de quintas. Capataz também lhe era chamadouro. Mesma a função, mesmo
o estatuto, não mesma a altivez, a sobranceria. Há de tudo em tudo. No seu
romance VINDIMA, de acção localizada algures entre Sabrosa e o Pinhão,
escreve Miguel Torga:
A natureza do Seara [feitor] oscilava entre a voz do sangue e a
letra do contato que fizera há anos com o senhor Lopes. A lama em que nascera e
onde, de resto, sujava continuamente botas de bezerra, falava-lhe de una
naturalidade original, de berço, só rendida a uma lei: - ao aguilhão da fome.
Mas o convívio, embora perfilado, com o luxo e as riquezas do patrão, tinha
também o seu encanto. […] evolava-se
dele o perfume de uma consideração social que o entontecia.
A estrada
calcetada, plana, larga, feita para os poucos carros, para as carreiras. Assim
fossem os caminhos de sobe e desce, enterroados ou lamacentos, entre vinhedos
em socalcos e lagar de fim de fadigas, a mais das vezes pertença dos
proprietários, parte integrante do complexo agrícola e habitacional onde vinhos
nascem para o mundo, gritando, aos quatro ventos, que são Douro. Num vaivém
vigiado, numa azáfama sem tréguas, a não ser para emborcar a malga do caldo e o
responsado apresigo, os homens pensam em
encontros escondidos com as conversadas e suspiram pela palha das enxergas que
nos cardenhos lhes servem de camas. É a diferença entre realidade e cartaz
turístico. Very typical !
M. Hercília Agarez
Vila Real, 28 de Setembro
A realidade que ultrapassa "qualquer "..olhar de Turista ??
ResponderEliminar.."Encantado olhar" ..o da realidade ..esse ..
"brilha " permanece !!!
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