Sim,
era um carta dele. Não tive outro namorado. Trocámos os primeiros olhares denunciadores nas aulas do sexto ano. Até aí,
turmas mistas só para repetentes, e nós éramos bons alunos. Rapazes e raparigas
entravam por portões diferentes, não partilhavam espaço de recreio, não
conviviam dentro do Liceu.
De olhares mudos a palavras tímidas,
inócuas, equívocas. Até um dia. Foi numa explicação de Matemática (a competência
do professor tinha murchado com os anos). O João passou-me, furtivamente, um
recado trapalhão escrito em pedacinho de papel de sebenta. Deu para entender. A
resposta não se fez esperar. As palavras soltaram-se como se estivessem
escritas, há muito, no meu pensamento.
Assim desabrochou um namoro respeitador do
figurino da época. Tornado epistolar nos meses de Agosto e Setembro. Os filhos
só recebiam carta de alforria dos pais quando se casavam. Portanto, as férias
eram passadas com a família. No nosso caso, em locais diferentes.
Hoje, à distância de cinquenta anos, quando
me invade a melancolia triste, aconchego-me no regaço do passado. Nele me ajeito
como criança desprotegida. Ele me embala, maternalmente. Recordo, então,
farrapos de alegria como este. Eu, rapariga sonhadora, gostava de pegar na
bicicleta do meu irmão, às escondidas, e embrenhava-me em caminhos de evasão.
Dava corda a pensamentos-projectos, relia, em isolamento cúmplice, mensagens
que me faziam sorrir.
Estranho! Ainda conservo na boca o gosto
daquelas palavras mágicas.
M.
Hercília Agarez
Vila Real, 09 de Setembro de 2018
..Começo..a ler ..
ResponderEliminar"viajo nas palavras " ..
..Uma LUZ..INFINITA ."ilumina..as..
Palavras que ecoam.em.silêncio..
.Ooh ..palavras .."MÀGICAS "..
..TÃO..SIMPLESMENTE ...
BELAS !!
Uma delícia literária, na forma e na substância.
ResponderEliminar"Aconchego-me no regaço do passado" Que bonita imagem!
ResponderEliminarDoces recordações de um tempo feliz.