Foto:josé alfredo almeida |
Não se compreende que se festeje tanto o Natal e tão pouco a
Páscoa. Se é que a Páscoa ainda se festeja…E os festejos de Natal têm, de ano
para ano, uma expressão mais consumista que religiosa. Ainda o 25 de Dezembro
vem longe, já as ruas se iluminam feericamente e se animam com músicas
ternurentas, repetidas até à exaustão. As lojas oferecem os seus artigos até à
porta da rua e os shoppings são autênticos formigueiros de pessoas entontecidas
com as compras. É preciso cumprir a tradição de oferecer aos familiares, aos
amigos e a quem se deve qualquer favor ou cortesia. Acima do intenso bruaá,
ouve-se constantemente o guincho de uma criança contrariada. O guincho só se
extingue, quando o pai, a mãe ou o avô fazem a vontade ao tiranete. Nas casas,
a opulência da árvore de natal vai fazendo cada vez mais sombra à ternura do
Presépio. A consoada e o almoço do Dia de Natal são os pontos altos da reunião
familiar em redor de iguarias tradicionais. À Missa do Galo já pouca gente vai.
Não por falta de fé, mas por falta de missa. Raras são as terras a poder dispor
de pároco, fixo ou itinerante.
Seria mais compreensível a decadência das comemorações de
Natal que as da Páscoa. O nascimento do Menino Jesus é uma grata memória,
vivida em cada ano, com a maior ternura no mundo cristão. As comemorações
poderiam ser limitadas ao fervoroso sublinhar de uma das mais vultuosas datas
da História da Humanidade.
Ao passo que a Semana Santa, a começar no Domingo de Ramos e
a findar no Domingo de Páscoa, é um tempo de reflexão sobre o que Jesus Cristo
foi como inexcedível exemplo de amor e sacrifício. Entre o presépio de Belém e
a cruz do Gólgota, há uma curta vida de trinta e três anos marcada por um
apostolado de amor ao próximo e as perseguições de quem não aceitava o alcance
da palavra e da humanidade de Jesus Cristo.
Apesar de todas estas razões para celebrar e reflectir, A
Páscoa que hoje temos é, praticamente, a que nos entra pela televisão.
Mas eu tenho na memória uma Páscoa só para mim. A que vivi
alguns anos em rapaz na ridente aldeia de Poiares, diante do solene negrume da
Serra do Marão.
O Seminário Salesiano exercia ali a sua pedagogia e o seu
apostolado. E era com grande rigor que os seus padres cumpriam toda a liturgia
da Semana Santa.
Recordo, como quem folheia ao acaso um velho álbum de
gravuras sépia, as cores e o aroma da luminosa igreja no Domingo de Ramos, o
silencioso recolhimento da Procissão do Senhor dos Passos, o misterioso temor
das Trevas, o repicar dos sinos e o estralejar dos foguetes no Sábado de
Aleluia, a humildade na Cerimónia do Lava Pés, o esplendor da Missa da Páscoa,
com as raparigas muito tesas no seu vestidinho acabado de estrear, a passagem
do Compasso, de opas a esvoaçar e o tinir da sineta sempre interrompido…
Um ano, fui convidado, entre outros estudantes em férias, a
figurar na Última Ceia. O cenáculo foi o refeitório do seminário, onde nos
esperava o senhor padre Paulo, a representar Cristo. Mas logo o bondoso padre
me sossegou:
- Não te aflijas…o apóstolo mau foi Judas Escariote. Judas
Tadeu veio até a ser um grande santo!
E a paz voltou ao meu espírito. Mas agora que Judas Escariote
foi reabilitado, voltei a preocupar-me por ter sido Judas Tadeu. Eu sei lá o
que a História me reserva!
Camilo
de Araújo Correia in jornal “ O Arrais”, do Peso da
Régua
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