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Drº José de Sousa condecora Bombeiro da Régua |
O Sr. António Guedes Castelo Branco, nosso conterrâneo, a
quem nos liga mútua e velha estima e consideração, as quais se processaram ao
longo de larga vivência, a nível de duas famílias, quiçá o único sobrevivente
de uma geração que, mercê de polifacetadas eclosões espirituosas – a que não
foram alheias os manes de Pai Camilo e sua brilhante contemporaneidade -,
sacudiram a então pasmaceira provinciana do burgo reguense, vem abordando, em
substancial e não menos relevante colaboração, no Arrais, situações inerentes a um passado naturalmente saudoso, para
quem ultrapassou os 80 anos de idade.
De passo que fixa e retrata tipos locais dos quais o
decantado polícia da Régua é expressão superlativa, inserta na estruturação,
revisteira da época, em situações pouco sérias, tocadas de certo
sentimentalismo inevitável, em ordem a caracterizar estilo próprio, não lhe é
possível abstrair de outros que, com perpassarem, pé ante pé, pelos recôncavos
de um feliz anonimato, o qual, em todas as épocas, se assinalaram e assinalarão,
nas sociedades humanas, não lograram o propósito, neles visceral, dado o rasto
luminoso que deixaram, de se oferecerem à admiração dos coetâneos e vindouros,
interessados nos valores culturais dessas épocas.
É o caso de Anastácio Inácio Teixeira, cuja personalidade,
impregnada de humildade, só aos eleitos está reservado por condicionalismos
predestinatórios, os quais se furtam, por vezes, à penetração do comum dos
mortais.
Vimo-lo, de óculos encavalitados no nariz, curvado, em
atitude ascética, à maneira do Aleijadinho (1), no Santuário do Congonhas,
sobre o bloco de cantaria, com mãos peritas, munidas de escopro e macete,
silenciosamente, quase furtivamente, ir afeiçoando aquele aos motivos
ornamentais que enriquecem a fachada do edifício sede dos nossos Bombeiros
Voluntários. E quando havia dúvidas técnicas a respeito da exequibilidade de
determinado pormenor das obras (2), Anastácio, sentindo em si a firmeza dos
obstinados, lá ia prosseguindo na tarefa a que votara toda a alma, quiçá
sorrindo, interiormente, convicto, por longa e profícua experiência e devoção
que dele fez um Artista, de que é no caso, precisamente, que o sol irradia os
revérberos mais fulgentes, até que chegou o momento no qual, parafraseando
Afonso Domingues, na Batalha, poderia afirmar – o arco não caiu…o arco não
cairá.
Remonta, como é sabido, à pré-história o momento em que o
homem, ao adquirir consciência do seu destino, passou a expressar, por via da
Arte os anseios quer de ordem material, quer de ordem espiritual.
No âmago das civilizações que no mundo antigo se
estabeleceram nas margens dos grandes rios e, posteriormente, na bacia do
Mediterrâneo, de par com Artistas cujo nome passou à posteridade, vinculado a
obras de projecção indelével no consumar dos séculos, outros não menos fecundos
e relevantes permanecem ignorados. Se é conhecida a paternidade do Partenon, de
Pietá e da Mona Lisa, por exemplo, não é a dos templos de Karnak e Luxor, a dos
baixos-relevos do vale do Nilo, a dos palácios da Babilónia e Assur, a que
animou igualmente o fogo sagrado.
Pelo que ao nosso país respeita, e, particularmente, à nossa
região, solares, cruzeiros, templos, oleografias e mais partes estéticas, com
ir de encontro ao asserto, documentam a capacidade conceptiva de ascendentes,
os quais, em época pouco propícia ao acesso de artistas consagrados, cuja acção
se confinava aos grandes centros populacionais, mormente Lisboa e Porto, e, na
verdade, a Capital do Alto Douro, não obstante se afirmar, desde que o vinho
brotou dos seus geios, como centro de actividade marcante na economia nacional
era, então, modesta Póvoa a qual aponta, hoje, para promoção cabal.
Há qualquer coisa de místico nestes artistas ignorados que
tudo sacrificaram e sacrificam, numa renúncia sobrelevante a paixões
materialistas, demiurgos de um idealismo, o qual nem sempre se abre à
prospecção anímica de quem os observa. E Anastácio, ao jogar, na mesa da
consciência, a cartada dos bens adquiridos através de sacrifícios inauditos
para ganhar bens espirituais, polarizados na catedral dos seus sonhos, bem
merece que o recordem os vindouros, no local, onde, do holocausto, resultou a
obra da qual, irmanados com os nossos Soldados da Paz, nos orgulhamos.
Erguida sob o risco de Oliveira Ferreira, sedia-se a
Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua, na verdade, em autêntica
catedral. Se as outras são catedrais da fé, que revela aos humanos os mistérios
da escatologia transcendente, esta é catedral do bem, o qual, no plano terreno,
é susceptível de os libertar de paixões mesquinhas e, em contrapartida, de lhes
ir buscar ao subconsciente o que de bom lá se encontra oculto, em
circunstâncias conjunturais.
À virtude dos nossos maiores! Que a legenda seja farol que
guie o deambular dos homens pelas vereadas do porvir.
Notas:
(1) António Francisco Lisboa, o qual, vítima de lepra nervosa
que lhe mutilou as mãos, com os instrumentos de trabalho amarrados aos cotos,
esculpiu, em pedras de sabão, as estátuas dos doze apóstolos que adornam o
átrio daquele Santuário.
(2) O pormenor reportava-se ao fecho da corda do grande arco
da volta redonda, que realça na fachada, hoje repetido na segunda fase da obra.
José António de Sousa
Pereira
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