segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Lua de Londres


Foto: josé alfredo almeida


É noite. O astro saudoso 


rompe a custo um plúmbeo céu, 

tolda-lhe o rosto formoso 
alvacento, húmido véu, 
traz perdida a cor de prata, 
nas águas não se retrata, 
não beija no campo a flor, 
não traz cortejo de estrelas, 
não fala de amor às belas, 
não fala aos homens de amor.

Meiga Lua! Os teus segredos 
onde os deixaste ficar? 
Deixaste-os nos arvoredos 
das praias de além do mar? 
Foi na terra tua amada, 
nessa terra tão banhada 
por teu límpido clarão? 
Foi na terra dos verdores, 
na pátria dos meus amores, 
pátria do meu coração!

Oh! que foi!... Deixaste o brilho 
nos montes de Portugal, 
lá onde nasce o tomilho, 
onde há fontes de cristal; 
lá onde viceja a rosa, 
onde a leve mariposa 
se espaneja à luz do Sol; 
lá onde Deus concedera 
que em noite de Primavera 
se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó Lua, tu deixas 
talvez há pouco o país 
onde do bosque as madeixas 
já têm um flóreo matiz; 
amaste do ar a doçura, 
do azul e formosura, 
das águas o suspirar. 
Como hás-de agora entre gelos 
dardejar teus raios belos, 
fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima, 
do Mondego os salgueirais; 
quem andou por Tejo acima, 
por cima dos seus cristais; 
quem foi ao meu pátrio Douro 
sobre fina areia de ouro 
raios de prata esparzir 
não pode amar outra terra 
nem sob o céu de Inglaterra 
doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa 
tens aqui; mas Deus igual 
não quis dar-lhe essa lindeza 
do teu e meu Portugal. 
Aqui, a indústria e as artes; 
além, de todas as partes, 
a natureza sem véu; 
aqui, ouro e pedrarias, 
ruas mil, mil arcarias; 
além, a terra e o céu!

Vastas serras de tijolo, 
estátuas, praças sem fim 
retalham, cobrem o solo, 
mas não me encantam a mim. 
Na minha pátria, uma aldeia, 
por noites de lua cheia, 
é tão bela e tão feliz!... 
Amo as casinhas da serra 
coa Lua da minha terra, 
nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade, 
padecemos igual dor; 
temos a mesma saudade, 
sentimos o mesmo amor. 
Em Portugal, o teu rosto 
de riso e luz é composto; 
aqui, triste e sem clarão. 
Eu, lá, sinto-me contente; 
aqui, lembrança pungente 
faz-me negro o coração.

Eia, pois, ó astro amigo, 
voltemos aos puros céus. 
Leva-me, ó Lua, contigo, 
preso num raio dos teus. 
Voltemos ambos, voltemos, 
que nem eu nem tu podemos 
aqui ser quais Deus nos fez; 
terás brilho, eu terei vida, 
eu já livre e tu despida 
das nuvens do céu inglês.

João de Lemos



Minha Nota: 
João de Lemos nasceu na Régua, em 1819, falecendo em Maiorca, na Figueira da Foz,em 1890. Licenciou se em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi director do Jornal a Nação, órgão da causa absolutista de D. Miguel. E desempenhou, em Portugal e no estrangeiro, vários cargos diplomáticos em nome da doutrina que defendia. A dada altura teve que exilar se em Londres (onde escreveu aquele lindíssimo poema à Lua). 
Colaborou na Revista Universal Olisiponense e no Cristianismo. Ficou como sendo um dos principais representantes da poesia do ultra romantismo na sua fase de plena formação como escola literária, através de "folhas de poesia". A partir de 1844 passou a publicar em O Trovador, jornal Poético de que foi um dos fundadores. A sua poesia reflecte influências de Lamartine e de Castilho. Obras principais: Cancioneiro (1.° vol.), Flores e Amores (1858); Religião e Pátria (2.° vol. 1859); Impressões e Recordações (3.° vol. 1867); Canções da Tarde, Lisboa, 1875; O Monge Pintor, Lisboa, 1876; O Tio Damião, Lisboa, 1887; Serões de Aldeia, Lisboa, 1876; Poesias avulsas (1.° vol. 1858); Recordações de Roma, no Coliseu (1879); Os Frades (1883).

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