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| Foto: josé alfredo almeida |
É noite. O astro saudoso
rompe a custo um plúmbeo céu,
tolda-lhe o rosto formoso
alvacento, húmido véu,
traz perdida a cor de prata,
nas águas não se retrata,
não beija no campo a flor,
não traz cortejo de estrelas,
não fala de amor às belas,
não fala aos homens de amor.
Meiga Lua! Os teus segredos
onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
das praias de além do mar?
Foi na terra tua amada,
nessa terra tão banhada
por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
na pátria dos meus amores,
pátria do meu coração!
Oh! que foi!... Deixaste o brilho
nos montes de Portugal,
lá onde nasce o tomilho,
onde há fontes de cristal;
lá onde viceja a rosa,
onde a leve mariposa
se espaneja à luz do Sol;
lá onde Deus concedera
que em noite de Primavera
se escutasse o rouxinol.
Tu vens, ó Lua, tu deixas
talvez há pouco o país
onde do bosque as madeixas
já têm um flóreo matiz;
amaste do ar a doçura,
do azul e formosura,
das águas o suspirar.
Como hás-de agora entre gelos
dardejar teus raios belos,
fumo e névoa aqui amar?
Quem viu as margens do Lima,
do Mondego os salgueirais;
quem andou por Tejo acima,
por cima dos seus cristais;
quem foi ao meu pátrio Douro
sobre fina areia de ouro
raios de prata esparzir
não pode amar outra terra
nem sob o céu de Inglaterra
doces sorrisos sorrir.
Das cidades a princesa
tens aqui; mas Deus igual
não quis dar-lhe essa lindeza
do teu e meu Portugal.
Aqui, a indústria e as artes;
além, de todas as partes,
a natureza sem véu;
aqui, ouro e pedrarias,
ruas mil, mil arcarias;
além, a terra e o céu!
Vastas serras de tijolo,
estátuas, praças sem fim
retalham, cobrem o solo,
mas não me encantam a mim.
Na minha pátria, uma aldeia,
por noites de lua cheia,
é tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra
coa Lua da minha terra,
nas terras do meu país.
Eu e tu, casta deidade,
padecemos igual dor;
temos a mesma saudade,
sentimos o mesmo amor.
Em Portugal, o teu rosto
de riso e luz é composto;
aqui, triste e sem clarão.
Eu, lá, sinto-me contente;
aqui, lembrança pungente
faz-me negro o coração.
Eia, pois, ó astro amigo,
voltemos aos puros céus.
Leva-me, ó Lua, contigo,
preso num raio dos teus.
Voltemos ambos, voltemos,
que nem eu nem tu podemos
aqui ser quais Deus nos fez;
terás brilho, eu terei vida,
eu já livre e tu despida
das nuvens do céu inglês.
João de Lemos
Minha Nota:
João de Lemos nasceu na Régua, em 1819, falecendo em Maiorca, na Figueira da Foz,em 1890. Licenciou se em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi director do Jornal a Nação, órgão da causa absolutista de D. Miguel. E desempenhou, em Portugal e no estrangeiro, vários cargos diplomáticos em nome da doutrina que defendia. A dada altura teve que exilar se em Londres (onde escreveu aquele lindíssimo poema à Lua).
João de Lemos nasceu na Régua, em 1819, falecendo em Maiorca, na Figueira da Foz,em 1890. Licenciou se em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi director do Jornal a Nação, órgão da causa absolutista de D. Miguel. E desempenhou, em Portugal e no estrangeiro, vários cargos diplomáticos em nome da doutrina que defendia. A dada altura teve que exilar se em Londres (onde escreveu aquele lindíssimo poema à Lua).
Colaborou na Revista Universal Olisiponense e no
Cristianismo. Ficou como sendo um dos principais representantes da
poesia do ultra romantismo na sua fase de plena formação como escola
literária, através de "folhas de poesia". A partir de 1844 passou a
publicar em O Trovador, jornal Poético de que foi um dos fundadores. A
sua poesia reflecte influências de Lamartine e de Castilho. Obras
principais: Cancioneiro (1.° vol.), Flores e Amores (1858); Religião e
Pátria (2.° vol. 1859); Impressões e Recordações (3.° vol. 1867);
Canções da Tarde, Lisboa, 1875; O Monge Pintor, Lisboa, 1876; O Tio
Damião, Lisboa, 1887; Serões de Aldeia, Lisboa, 1876; Poesias avulsas
(1.° vol. 1858); Recordações de Roma, no Coliseu (1879); Os Frades
(1883).

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